“Na maioria das empresas, o erro não é bem aceito. É difícil implantar um modelo de decisão ágil como o das startups numa empresa tradicional”. Assim, José Édison Franco, que já foi Executivo e Conselheiro de grandes empresas como a Intercement, Ferrosur Roca, Alpargatas, CPFL e Camargo Corrêa, explica a decisão de investir e virar conselheiro da Ace Startups, empresa de inovação especialista em criar negócios e apoiar empreendedores. Formado pela Fundação Getúlio Vargas, além de ser Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, foi Presidente do Conselho da InterCement por mais de 13 anos, é investidor anjo na Bemtevi e Bossa Nova, além de ser acionista e membro do conselho consultivo da ACE Startups.
Franco diz que “há muita gente brilhante nessas pequenas, mas inovadoras empresas, com capacidade e disposição para criar e realizar negócios diferentes”. Segundo ele, há muito espaço para inovar no ramo de construção civil, mas alerta: “Antes de inovar, há muito a ser feito em termos de eficiência nesse segmento – “O setor sempre apresentou muito desperdício, ainda mais no Brasil”. O setor da construção civil é um dos mais importantes no país: responde por 11% do PIB: “O cimento é o segundo produto mais consumido no mundo, atrás somente da água”, enumera Franco. Produzir esse insumo vital para a habitação emite 5% do CO2 gerado no planeta.
Esse é apenas um dos exemplos citados pelo executivo para mostrar os desafios – e oportunidades – que existem para quem deseja inovar no ramo da construção civil. “Temos um déficit de 7 milhões de unidades habitacionais no Brasil, e outras 17 milhões de habitações são consideradas inadequadas”, diz Franco. Conversamos com Franco sobre ESG (do inglês, environment, social and governance, e em português, ambiental, social e governança), gestão, eficiência na construção, os desafios do ecossistema de inovação no segmento, financiamento, relação entre lucro e meio ambiente e outros temas. Confira a entrevista na íntegra, abaixo:
Depois de uma longa carreira em cargos de liderança em grandes empresas, você opta por se associar a uma empresa essencialmente ligada às startups. Por que? O que você busca com esse movimento? Propósito? Realização? Retorno financeiro?
Nos últimos anos de minha carreira como executivo, fui percebendo a importância da inovação para as empresas, e a dificuldade de se inovar em uma estrutura organizacional tradicional, onde se torna mais difícil conviver com o erro, que é inerente à inovação. Com isso, ainda na empresa, procurei identificar formas de, por meio das startups, buscar soluções para a indústria de cimento e para os nossos clientes, a indústria de construção. Por isso, quando deixei a empresa, procurei conhecer mais esse negócio que estava se desenvolvendo, o mundo das startups. Primeiro, investi na ACE, na época a maior aceleradora de startups da América Latina, e através dela passei a investir em fundos ou pools de investimento em startups, da própria ACE, e depois na Bossa Nova Investimentos. Participando de comitês para seleção de startups pude ver que os bons profissionais, que se formam em boas escolas hoje em dia, não procuram um bom emprego, mas sim empreender, e criar a sua própria startup. Eles procuram identificar um problema, ou “dor” (no linguajar do setor) e buscam criar uma solução para o problema através de uma empresa criada para isso, a startup.
Tendo estado tanto tempo em posições de liderança, cargos que, de fato, tomam as decisões de uma empresa, o que mudou em relação à responsabilidade social/accountability?
Na indústria do cimento, já tínhamos consciência da importância de incorporar a gestão de processos ambientais e sociais, e que isso seria fundamental para a manutenção do negócio ao longo do tempo. A indústria de cimento emite 5% do CO2 do mundo e não existe “planeta B”, temos que fazer o possível para reduzir o impacto do negócio no ambiente, e nas comunidades do entorno das fábricas. No começo, essa ideia não era tão difundida, nem os bancos financiadores do negócio davam a devida importância ao assunto. Felizmente, isso mudou e continua mudando. Hoje é tema obrigatório. Uma empresa que queira fazer IPO, por exemplo, e não saiba tratar o tema ESG não consegue ir em frente. E vai mudar mais ainda, na medida que as soluções inovadoras consigam transformar a indústria. Na indústria da construção, que tem um grande desperdício de recursos em sua cadeia, e que não consegue reduzir o déficit habitacional de uns 7 a 8 milhões de unidades, e a existência de 17 milhões de residências inadequadas, que requerem reformas e adequações. É um desafio enorme, mas também um mar com oportunidades para inúmeras startups a serem criadas para resolver partes deste grande problema.
Em 10 anos, a resposta para a pergunta “qual é a razão de uma empresa”, mudou de “gerar valor para o acionista” para “gerar valor para os stakeholders”. Isso não tira competitividade das empresas? Isso de fato tem acontecido? Por quê? Como a discussão sobre a ESG se alinha com os negócios?
Há 10 anos, alguns profissionais já afirmavam que criar valor para o acionista era uma visão curta, pois não se sustentava no longo prazo, se a empresa não cuidasse do meio ambiente e de seu relacionamento com stakeholders, como os funcionários e as comunidades onde atua, não teria licença para operar. Hoje, felizmente, a percepção da mportância dessa visão mais ampla está se tornando cada vez mais frequente, e logo logo, será dominante.
Imaginamos que esse processo não é uma transição fácil de ser feita. Como essa deve ser conduzida?
Minha experiência diz que essa conversa sobre sustentabilidade começa com os acionistas. O CEO e o chairman precisam alinhar isso com os acionistas, que precisam ser convencidos do tema, se não esse processo não anda, se torna difícil e demora. Hoje, talvez demore um pouco menos, pois o tema é bastante discutido na mídia.”
Nos últimos anos, nós vimos o surgimento de um ecossistema estruturado de empreendedorismo, não só de startups, mas fundos de investimento, profissionais, aceleradoras, investidores anjo, dentre outros atores. Como esse ecossistema pode ajudar nessa transição?
O processo de inovação é um processo de experimentação. Dessa forma, as startups que encontrarem soluções para os inúmeros problemas (ou dores) da indústria vão oferecer essas soluções. Não haverá uma solução sistêmica. Serão inúmeras soluções que, posteriormente, poderão ou não ser integradas. É importante notar que haverá também inúmeras startups que vão falhar, ou seja, que não conseguirão entregar uma solução reconhecida e aceita pelos potenciais clientes. Os fundos de investimento em startups são uma forma de investidores participarem e viverem este processo. Algumas vezes apenas como investidores, e outras como mentores das startups, levando a elas as suas experiências que podem ajudar muito na aceleração do negócio. É com os recursos desses investidores que as startups conseguirão crescer na velocidade adequada, quando a solução apresentada for aceita pelo mercado.
As empresas têm um papel a desempenhar em temas sociais? Qual? O que elas têm a contribuir? Elas devem contribuir?
Creio que sim, as empresas têm um papel social a desempenhar, não só pagando impostos ou gerando empregos, como também contribuindo para o ambiente de negócios de seu segmento, região ou local de atuação.
Como vê a inovação como solução de problemas que perduram por anos?
Como descrevi acima, a inovação é essencial para a solução de problemas e através dela é que poderemos melhorar a produtividade da indústria e do país como um todo, que é muito baixa.
Você liderou uma agenda de sustentabilidade em uma empresa de um setor de indústrias de base, mineração e construção. Olhando em retrospectiva, quais foram os acertos, os erros?
Acho que nesse processo foi muito importante a persistência. No começo, poucas pessoas estavam querendo ouvir falar do assunto e hoje ele é valorizado e requerido para a empresa progredir. Portanto, não ter desistido quando o tema não era reconhecido como importante foi um acerto. Os erros fazem parte do processo, só erra quem tenta e faz.