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Entrevista com Filipe Cassapo, Diretor da Lellolab

Respondendo pelo LelloLab, Laboratório de Inovação da Lello, Filipe Cassapo usa visão holística para reforçar o mundo que deve ser co-criado para que possamos sobreviver ao desequilíbrio do planeta

Nascido na França e há 22 anos residindo no Brasil, Filipe Cassapo está prestes a completar 1 ano como diretor do LelloLab, laboratório de inovação da Lello, empresa veterana na gestão de condomínios do país.

O Laboratório de Inovação da Vida em Comum foi lançado em 2017 pela empresa que é considerada hoje a maior gestora de condomínios do Brasil com o objetivo de aprofundar a questão de inovar na vida em comum.

Com humildade e um sotaque que o impede de deixar as raízes de lado – o que, de fato ele não almeja -, em entrevista ao HousingPact o executivo abre mão do seu cargo para falar de algo que, ao seu ver, é muito maior: o seu propósito. “Mais importante que uma posição, é o propósito que cada um de nós temos. O meu propósito é empoderar as pessoas para que possam, por meio da inovação, desenhar um futuro. Não o que realmente desejam, mas o futuro que todos nós precisamos, juntos, co-criar”, afirmou, ditando novo rumo à entrevista.

Assim, com um tom reflexivo valioso, ele conduziu suas respostas nos 30 minutos seguintes, ampliando a visão holística para o propósito da empresa, sua relação com o empreendedorismo de impacto social e também para a conexão com o HousingPact, com quem a LelloLab firmou parceria estratégica recentemente.

Acompanhe na íntegra e adentre nesta reflexão!

HousingPact – Para dar início a nossa conversa, fale-nos um pouco sobre o seu propósito na LelloLab.

Filipe – Sabemos que esse início do século 21 é um momento chave de transição, seja em termos sociais, ambientais e não apenas da antroposfera dos seres humanos, mas da biosfera de todos os seres vivos com os quais convivemos. Sabemos também que essa transição é complexa. Não adianta imaginar que as soluções desenhadas para o século 20 darão conta de um desafio tão grande como, por exemplo, o aquecimento global, a crise energética ou as cidades sustentáveis inteligentes.

Assim, nós precisamos co-criar novos modelos de relacionamento e negócio. Esse é o meu propósito nos últimos 25 anos, durante os quais estive interagindo com os ecossistema de inovação na América Latina, na África, no Oriente Médio e na Europa. Especificamente na lelloLab, é isso também o que queremos fazer: empoderar moradores e cidadãos para que possam desenhar esse futuro do qual precisamos.

HousingPact – Quando começou e como você descobriu o seu propósito e passou a caminhar no sentido de realizar isso e realmente ajudar e trazer resultados?

Filipe – O propósito é um caminho de vida. Uma descoberta que é recontextualizada e reinventada a todos os momentos, porque a cada dia você descobre uma coisa nova, a cada dia você interage com alguém que tem algo importante para te ensinar.

Eu diria que o início desse propósito foi aprender a lidar com o conhecimento. O tema que mais me interessou há 20 anos era compreender de qual maneira o conhecimento gerado seria colocado em prática nas organizações de diversos tipos como públicas, privadas, não-governamentais, pequenas, médias, grandes.

O conhecimento gerado, transferido e colocado em ação foi chamado de gestão de conhecimento no começo do século 21 e foi com isso que me envolvi naquele momento. Esse interesse naturalmente me levou para o mundo da inovação. Afinal, conhecimento que não é colocado em ação e não leva ao progresso não serve para muita coisa. Precisamos prototipar, colocar em prática e realmente tentar de alguma forma transformar a realidade.

 

Mas, o mundo da inovação não responde à pergunta “por que fazemos o que fazemos”.

Essa resposta veio para mim quando tive oportunidade de interagir com pessoas como Peter Sangle, da Society for Organizational Learning. Os criadores da 5º disciplina da Teoria U me fizeram reconhecer mais como indivíduo, com a finalidade de desenhar um mundo mais equilibrado.

Sobre isso, posso dizer que levamos os nossos procedimentos humanos a modelos sistêmicos desequilibrados que nos levaram a fenómenos como o aquecimento global, a eliminação sistemática da biodiversidade, o consumo irresponsável da riqueza do planeta que nos hospeda. Para reencontrar o equilíbrio, precisamos desfazer e refazer de uma maneira diferente esses padrões sistêmicos de relacionamentos.

Portanto, fui do conhecimento para a inovação; da inovação, para a compreensão da importância do equilíbrio e do desenvolvimento – e aqui eu diria que mais que sustentável, ele é regenerativo, porque já passamos a época de sustentável. Sustentar significa manter o status quo, mas a gente já passou da época de manter o status quo e agora precisamos regenerar. Isto é: limpar mais do que a gente suja, gerar mais energia do que a gente consome, reciclar mais do que a gente produz.

HousingPact – Fale-nos um pouco sobre a missão do LelloLab, Laboratório de Inovação da Vida em Comum da Lello.

O Laboratório de Inovação da Vida em Comum, o LelloLab, tem a oportunidade e a grande responsabilidade de lidar com mais de 3 mil condomínios, impactando a vida de mais de 2 milhões de pessoas. Essa é realmente uma imensa oportunidade, mas é uma imensa responsabilidade também, afinal, o ‘morar’ é o lugar sagrado no qual você cria a sua família, no qual você se reenergiza após dias longos e cansativos.

Então, lidar com o ‘morar’ é o que temos que fazer por aqui, com muita humildade e muita responsabilidade. Nossa missão é não tentar dar uma resposta ao morar, mas tentar co-criar modelos sistêmicos de relacionamentos comunitários, permitindo que os próprios moradores se tornem co-desenvolvedores, co-responsáveis, co-criadores do futuro que eles realmente desejam. Assim, desejamos empoderar as comunidades para que elas possam tomar em suas próprias mãos o futuro.

Nesse futuro, as questões que mais nos interessam são o conviver comunitário, ou seja, a inovação social e dos relacionamentos sociais de qualidade, confiança, de alavanca mútua; e questões ligadas ao ambiente, ou seja, a convivência entre o humano e o planeta, com ênfase na questão da água, da energia, dos resíduos e da mobilidade, que são as quatro questões centrais das cidades complexas nas quais vivemos.

HousingPact – Você diria que o programa de aceleração é o ponto focal do LelloLab?

Filipe – Não é apenas isso. Nós temos três grandes tipos de atuação. A primeira foca na cultura de inovação urbana. Assim, internamente – com os próprios colegas da Lello – e externamente – com as partes interessadas da sociedade -, nos juntamos para a refletir e criar um conceito do que é a inovação urbana. Para isso temos, por exemplo, o podcast Cultura do Bairro, onde entrevistamos todo mês uma pessoa que lida com a vida em comum e inova nesse ambiente. Falamos com morador, síndico, empreendedor, pesquisador, todos que lidam com a vida em comum para tentar avançar na reflexão e na radiação dessa cultura de inovação da vida em comum.

O segundo ponto da LelloLab é ser uma aceleradora de projetos de inovação que melhora a vida em comum. Aqui, dizemos ‘aceleradora’ no sentido de pegar o projeto em estágios diversos e aportar mentoria, capital e oportunidade de experimentar e escalar soluções que permitam melhorar a vida em comum. Já tivemos a oportunidade de acelerar 12 iniciativas no semestre passado. Essa semana iniciamos o processo de segunda turma de projetos inovadores da vida em comum. Falamos de projetos, pois estão em diversos estágios de maturidade.

Por fim, o terceiro ponto é que somos um laboratório e os nossos experimentos se dão através de experimentos urbanos vivos onde criamos ambientes reais, com pessoas reais e soluções que melhoram a vida em comum.

Esses são os nossos três grandes pilares: cultura de inovação urbana, acelerações de projetos inovadores e experimentações e co-criações de soluções em laboratórios abertos vivos.

 

HousingPact – Tendo essa visão, não fica difícil entender porque se aproximaram do HousingPact. Quando e como isso aconteceu?

 

Filipe – Nesse ecossistema do mundo real descobrimos que existem outros pensadores, outras iniciativas com visões parecidas com as nossas e experiências já estabelecidas. Compreendemos que a única forma de cumprir o nosso propósito é trabalhar de forma extremamente conectado com todos que acreditam nos mesmos propósitos que nós acreditamos e foi assim que descobrimos o HousingPact. Nós temos um propósito em comum e isso é o que mais importa.

Começamos a ter as primeiras conversas, depois nos conhecemos presencialmente e chegamos à conclusão que nós poderíamos e deveríamos ter um relacionamento formal para que nossos projetos tenham continuidade, vida longa e perene. Afinal, para nós não é só compartilhar ideias e experiências, mas também alavancar em conjunto soluções inovadoras que melhorem a vida em comum.

Acabamos trilhando esse caminho nos últimos 2 meses e os termos da parceria aconteceram muito recentemente, há poucas semanas. Vamos agora começar a eleger as prioridades e as primeiras oportunidades. Teremos, com certeza, alguns projetos efetivos em comum para alavancarmos.

 

HousingPact – A relação da Lello com empreendedores com responsabilidade social foi alavancada com o LelloLab. Como se deu a construção desse relacionamento? Qual a diferença na relação dessa construção com empresas que têm responsabilidade social, com o impacto e empresas que visam o lucro como prioridade?

 

Filipe – Farei duas reflexões para responder a sua pergunta. A primeira reflexão é sobre o lucro. As organizações são sistemas vivos porque são compostas por seres vivos. Consequentemente, o lucro é o combustível do qual ela precisa para permanecer viva, mas não pode ser seu único propósito. O lucro de uma organização é como o ar que um ser respira. Se um ser vivo deixa de respirar, ele morre. Da mesma forma uma organização que não se sustenta do ponto de vista econômico financeiro, desaparece. Essas são as regras do jogo. Você pode achar que as regras estão erradas, mas vivemos em uma economia de mercado aberto onde uma organização que não tem a capacidade de se sustentar financeiramente deixa de existir.

Mas, mesmo assim, você e eu, que somos seres vivos, não temos como propósito apenas respirar. Nosso dia a dia não consiste em respirar, o respirar é um meio para fazer outras coisas.

A mesma coisa vale para as organizações vivas: a sustentabilidade financeira é o o meio pelo qual essa organização permanece viva, porém seu propósito deve ir muito além. O resultado financeiro é, portanto, o meio para se atingir certos propósitos.

Então, a primeira parte da resposta é: não há como ser uma organização sem ter um propósito. E uma organização não pode ter o propósito de gerar lucro. Isso não faz sentido. O propósito tem que ser outra coisa, e qual é essa outra coisa? Essa pergunta tem que ser feita em toda organização, seja ela pública, privada, pequena, média ou grande: “qual o seu proósito?”. Às vezes, o propósito ainda não foi revelado, então precisamos buscar essa resposta.

 

Mas, eu afirmo: se a gente não tem um propósito de vida ou um propósito organizacional que serve a biosfera, que serve antroposfera e que melhora a qualidade de vida das pessoas e gera equilíbrio no planeta, não faz sentido.

A segunda parte da resposta é que para mim nunca fez sentido imaginar que uma organização, seja qual for, não tenha relacionamento sistêmico com outras organizações. Isso porque, por ser formada por seres vivos, ela interage de maneira interdependente em um ecossistema. Ou seja, as organizações interdependem uma das outras. Consequentemente, não há como não interagir.

Assim, ao criar o LelloLab, eu vejo que foi e continua sendo muito mais um trabalho de revelação, de colocar na luz como prioridade esse relacionamento. Talvez o que ocorreu – e eu diria que de forma geral – na última década e, mais especificamente agora devido a pandemia, é que percebemos que isso é o mais importante e que todo o resto será razoavelmente superficial.

Criou-se uma oportunidade para reconhecer que inovar é transformar ideias e conhecimentos novos em melhorias na vida das pessoas, obviamente de forma equilibrada, interdependente e responsável perante o planeta.

Isso passou a ser uma prioridade e acho que a pandemia em particular nos ajudou a olhar essas prioridades de forma um pouco mais clara, pois re-descobrimos durante a pandemia que éramos seres biológicos, com toda a fragilidade de um ser biológico vivo.

 

HousingPact – O que você colocou foi muito pontual, muito direto e reflexivo em outros níveis, agregando a gente como um ser único, seja na esfera pessoal ou profissional. Você tem algo a acrescentar antes de encerrarmos esse bate papo intenso?

Filipe – O último ponto que eu gostaria de destacar é que qualquer um tem o poder de transformar o mundo, basta reconhecer que ele, junto com os outros, numa visão coletiva e sistêmica, pode desenhar um futuro diferente.

A gente muitas vezes se sente refém. “Não posso fazer nada”, sou refém disso, daquilo. Mas qualquer um tem o poder de transformar a realidade e nós, do LelloLabs, nos enxergamos muito mais como um catalisador do que qualquer outra coisa. Queremos catalisar, empoderar, alavancar, iluminar e irradiar todos esses empreendedores, pesquisadores e pensadores que tem algo para trazer para melhorar essa qualidade de vida e endereçar todos esses desafios que temos no século 21.