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Fundação Tide Setubal é uma organização não governamental de origem familiar que atua nas periferias urbanas de São Paulo, mais especificamente no bairro da zona leste, Jardim Lapenna.

O foco do trabalho e o bairro de São Miguel Paulista foram o ponto de partida para a sua atuação, que hoje se transforma com o objetivo de levar o aprendizado da região para outros territórios e escalar as metodologias já aplicadas.

Para isso, sua estrutura foi recentemente reorganizada de forma a definir três grandes eixos: Prática de Desenvolvimento Local, Fomento a Agentes e Causas e Programas de Influência. Neste último está inserido o Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano, onde o HousingPact encontra um campo para materializar os projetos pilotos trazidos pelos desafios. É assim que a parceria – a Fundação Tide SEtubal é uma das mantenedoras o projeto – contribui para, cada vez mais, o bairro do Jardim Lapenna se firmar como espaço de prototipagem.

Coordenado por Fabiana Tock, que atuou na gestão da política de enfrentamento da extrema pobreza na Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo, o programa tem como desafio provar que investir em bens sociais pode ser rentável e assim articular diferentes setores tanto para o desenho de soluções urbanas inovadoras quanto para a criação de mecanismos de financiamento.

Em entrevista ao nosso blog, ela explica porque os projetos pilotos implantados pela HousingPact na região são tão importantes e revela os aprendizados que aproximação que o empreendedorismo de impacto já trouxe à Fundação.

 

Qual o papel social da Fundação Tide Setubal e como o trabalho vem se aprimorando desde o seu início?

 

Fabiana – A Fundação surgiu em 2006 com uma atuação localizada no bairro da zona leste de São Paulo, no Jardim Lapenna, que é uma região de periferia da cidade. Após dez anos de trabalho focado na região, notamos que aquela experiência era bastante relevante para entender outras periferias e passamos a refletir sobre como poderíamos levar esse aprendizado para outros lugares e escalar as metodologias que vínhamos trabalhando.

Foi então que organizamos três grandes eixos de trabalho. Um deles é o que ainda chamamos de Prática Local, que olha para o Jardim Lapenna como um bairro modelo de desenvolvimento local. Nessa região, trabalhamos com várias ações, sejam atividades voltadas para desenvolvimento humano, econômico ou urbano. Nossa meta é que até 2030 tenhamos construído ali um case de desenvolvimento local.

A segunda linha é uma linha de financiamento, de transferência de recursos para outras organizações e causas que estão olhando para a desigualdade da periferia, principalmente, mas também centros de pesquisas e outras parcerias que estão com esse foco nas grandes cidades brasileiras.

A terceira linha de atuação é o que a gente chama de programas autorais, que são programas que costumam incidir em políticas públicas e na opinião pública em geral e que estão recortados em grandes temas. Ali, temos um programa que só olha para raça e gênero, outro programa olhando só para a questão de desenvolvimento e geração de renda local e entre eles está também o Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano, que tem foco na infraestrutura especial das periferias e em descobrir como o investimento social privado pode alavancar mais investimentos e infraestruturas nesses territórios.

Vale ressaltar que quando a gente fala de infraestrutura, na Fundação temos hoje um foco especial em saneamento básico e habitação, que são os carros-chefes dos nossos déficits acumulados em infraestrutura no Brasil. Nesse sentido, temos prototipado diversos tipos de soluções, seja com o poder público ou com o capital privado, para olhar para aquele território e tentar construir modelos de replicação. Essa é a área que eu coordeno na Fundação hoje.

 

Qual o objetivo do Programa Cidades em Desenvolvimento Urbano?

Fabiana – Há menos de dois anos, depois que estourou o cenário da pandemia, a gente começou a ver que quem estava na periferia não tinha condições de seguir todas as recomendações de isolamento, estando essas populações expostas a muito mais riscos na pandemia do que quem mora na zona Oeste ou Centro de São Paulo, por exemplo.

A pandemia escancarou esse déficit de estrutura que já existia e colocou à tona na mídia. Com isso, começamos a pensar que para a gente mudar esse cenário e enfrentar essas desigualdades sociais era preciso investimento nas periferias, tanto públicos como privados.

Assim sendo, temos como ponto de partida o fato de que o processo de urbanização das nossas cidades foi muito acelerado e levou a certa incapacidade dos governos e do mercado formal, inclusive, de prover esses bens de infraestrutura para a população de baixa renda em especial, induzindo, inclusive, a um déficit histórico

E embora não seja possível a gente pensar numa solução para esse problema do déficit de estrutura sem a participação do Estado e dos governos, sabemos também que dificilmente esses problemas vão ser resolvidos somente a partir da perspectiva pública. Por isso, entendemos que a sociedade civil em geral e o mercado formal tem um papel a ser cumprido na provisão de infraestrutura das periferias.

O que a gente tem feito é articular esses atores – o poder público, as comunidades locais receptoras desses bens e o mercado formal – para a provisão de habitação ou de saneamento, dentre outras necessidades que podem surgir.

Portanto precisamos mostrar para o investidor privado que ele pode investir em bens sociais e ter retornos positivos ou retornos comparáveis com aquele teria no mercado de investimento. Esse é o nosso desafio: provar que investir em bens sociais pode ser rentável.

 

Como o HousingPact se relaciona com esse programa?

Fabiana – A área que eu coordeno hoje trabalha muito com a questão da articulação dos diferentes atores para a provisão de soluções inovadoras desses espaços, mas também para o financiamento e modelos de financiamentos que podem ser inovadores para a provisão de infraestrutura nas periferias.

O HousingPact tem esse olhar para mudar essa característica do déficit habitacional para baixa renda a partir do setor da construção civil e do ator privado. Isso é um grande diferencial para nós, porque como Fundação a gente acaba não se relacionando com a construção civil e com as empreiteiras.

Quando desenhamos o Programa Cidades e Desenvolvimento, passamos a nos envolver muito com a ideia de conhecer a rede de empreendedores que estão se formando, foi quando nos aproximamos do HousingPact.

 

Como os projetos do HousingPact se relacionam com o trabalho da Fundação no Lapenna?

Fabiana – O território do Jardim Lapenna é um bairro onde a gente consegue prototipar soluções que possam escalar para outras periferias. Não à toa, muitos dos projetos-pilotos do HousingPact têm sido testados lá.

Temos, por exemplo, o Brechó da Construção Civil, que é uma parceria da Be.Sun com a ArqCoop+. Temos também o Piipee, uma substância comercial para colocar na privada que objetiva a redução da conta de água.

Outro projeto piloto que já apresenta bons resultados é a microfranquia do Coletando. Atuamos como mediadores ante as dificuldades que o pessoal da Coletando teve na implementação no território. Não à toa, ficamos sabendo recentemente que em dois meses já atingimos um resultado bastante surpreendente para microfranquias.

Por último, está o que para mim é o projeto mais inovador, que é um banheiro modular que está sendo desenvolvido pela Tebas Sustentabilidade. Trata-se de um banheiro que é construído em um tempo muito rápido e com um custo muito mais baixo que o de alvenaria, que se encaixa na maior parte das construções.

A gente sabe o quanto é crítico o nosso déficit de saneamento básico e a qualidade de vida quando se tem um banheiro dentro de casa faz muita diferença. Assim, nós temos a preocupação de medir ao longo dos anos o nosso impacto, o impacto das nossas ações e sabemos que as condições de saneamento básico afetam os indicadores de saúde, indicadores de educação. Quando você traz uma solução dessa, que está mudando todo um sistema, está gerando um resultado em várias outras áreas.

O que você vê que a Fundação agrega ao HousingPact?

Fabiana – O diferencial da Fundação como realizadora do HousingPact é que não somos do mercado da construção civil e nem promotores de uma solução, mas articulamos soluções. Temos perfil de empresa, mas também temos perfil de território, o que normalmente a visão empresarial acaba não tendo.

Com quase 15 anos de atuação em periferia, a gente traz um pouco dessa realidade: o que é construir para baixa renda, como que são essas dinâmicas nos territórios vulneráveis, o que implica você prover habitação para esse mercado, com muito menos renda do que até 3 salários mínimos. A gente reconhece essas periferias como potências e não só como ausências.

Apesar de sermos realizadores do projeto, posso dizer que essa é uma parceria de benefício mútuo para todos os lados: o HousingPact, a rede e a Fundação. E eu vejo que essa parceria está muito mais na produção de conhecimento técnico e como pensamos em soluções inovadoras para nas periferias na temática de habitação.

Por outro lado, o que a Fundação tem aprendido com os empreendedores de impacto dessa rede?

Fabiana – Temos na Fundação uma área relacionada à geração de emprego e renda local que promoveu alguns projetos de aceleração e lidou com esse ambiente empreendedor de impacto. No entanto, quando falamos no foco urbano para a habitação acho que nunca tínhamos colocado uma lupa nesse campo dos empreendedores de impacto social.

Como consequência, não imaginávamos que existiam tantas soluções sendo desenhadas que pudessem ser adaptadas para esses territórios periféricos. Graças a essa parceria, ao longo dos últimos dois anos a Fundação teve contato com muitos tipos de negócios que jamais imaginamos que existissem.

Muitos deles nem estão formatados para oferecer um produto para a população de baixa renda, mas você consegue fazer algumas modificações, alguns recortes e esses produtos podem muito bem atender a essa população.

Fora isso, tem a parte de materiais construtivos que para nós é um mundo completamente novo, se falar de todos os tipos de inovação nessa área.

Como a fundação está em outro lugar na sociedade civil, a gente cumpre um papel de facilitador entre esses empreendimentos de território e sem a rede do HousingPact nós chegaríamos a esses empreendimentos. Por isso, posso dizer que ele tem um papel muito relevante ao mapear e articular essas iniciativas e recursos para que o protótipo das iniciativas sejam desenhados, testados e, no futuro, escalados para outras periferias, dando oportunidade, inclusive,para esses empreendedores alçarem voo.